Maria José de Carvalho, publisher da Textília, fala sobre a indústria da moda e o mercado, defendendo o foco no cliente e outros aspectos que são fundamentais para as empresas no cenário atual.
Para refletirmos sobre as transformações na indústria da moda e no mercado competitivo, convidamos uma profissional apaixonada pelo setor, que vem atuando nesta área há quase 20 anos e compartilhou seus pontos de vista conosco. Maria José de Carvalho, publisher da MJC Textília – grupo editoral do portal Textilia.net e das revistas Textília Têxteis Interamericanos e ITT Press International Top Trends.
Há quantos anos você atua no mercado de Moda? Qual a sua relação com a Moda?
Iniciei minha carreira na indústria da moda em 1995, por meio do jornal Textília Press que transformou-se na revista ITT Press Moda. É importante destacar que minha relação é com a indústria da moda e não somente com a parcela final da cadeia, que efetivamente inclui vestuário e outras peças finais. Este setor é para mim uma escolha pessoal, um caminho não somente profissional, mas que me define pessoalmente, que condiciona minhas relações e direciona minha vida. Sou apaixonada pelo setor, amo o algodão mesmo sendo alérgica a ele e me encantam as possibilidades futurísticas que vão desde o trabalho genético na plantação até a evolução tecnológica das fibras químicas e dos nãotecidos. Fico emocionada constantemente com as inovações e a criatividade aplicada desde a produção da matéria-prima até o momento de distribuição via atacado e varejo. Em termos de relacionamento do mercado com o trabalho que desenvolvemos no grupo MJC Textília posso seguramente dizer que a indústria da Moda possui em nossas publicações um ponto focal capaz de analisar os direcionamentos de moda, tecnológicos e setoriais bem como a situação política-econômica-social nacional e internacional que nos influenciam e/ou afetam.
Qual a principal transformação que você percebe no mercado da Moda ao longo dos últimos anos?
É preciso pensar em Mercados de Moda, tendo em vista que atuamos em toda a América Latina e temos acesso a informações globais desta indústria. No Brasil tivemos um renascimento de nossos produtores de moda, que foram obrigados a adaptar-se a uma abertura de mercado que encerrou bruscamente o mar calmo no qual todos navegávamos anteriormente. Passamos por um período de ajuste e hoje ainda estamos batalhando para encontrar uma identidade própria, a história de moda brasileira que possa nos alçar definitivamente como players globais. Os caminhos já estão sendo mostrados, mas ainda continuamos atrasados. Acredito, no entanto, nunca ser tarde para recuperarmos o ritmo adequado de crescimento. Na América Latina vimos despontar uma potência do marketing que é a Colômbia, especialmente com eventos como Colombiamoda e Colombiatex que incluíram o País no mapa da indústria têxtil e de confecção global. Tivemos uma brusca queda na Argentina que vinha despontando como consumidora e lançadora de moda, principalmente com seus couros especiais e na área de calçados. Isso influenciou demasiadamente nossa produção brasileira, que ainda sofre com a perda deste importante parceiro comprador. Globalmente a valorização de uma moda rápida, que exige as adaptações constantes de coleção por parte das redes varejistas (o chamado Fast Fashion) trouxe uma importante quebra de paradigma, que culmina com o fim do calendário de moda como o conhecíamos. Na revista e no mercado ainda estamos nos adaptando a este formato, que faz com que tenhamos mais de 20 coleções anuais!
Você acredita que a tecnologia influenciou uma nova concepção de Moda? De que forma?
A tecnologia e a Moda sempre andaram juntas e estarão co-relacionadas enquanto existirmos. Historicamente tudo mudou quando criamos as ferramentas para trabalhar a pele de animais para nosso conforto e segurança. A tecnologia que permitiu a fiação manual, o subseqüente tear, a Revolução Industrial, tudo traz uma nova concepção de moda ao permitir melhores designs (significando mais força, mais conforto, mais utilidade, mais confiabilidade, mais durabilidade, etc.). Recentemente estamos de olho nos têxteis técnicos. Este é o caminho que os principais players do setor nos indicam como sendo o melhor investimento atual. Além disso temos visto peças incríveis sendo produzidas em impressoras 3D, uso de "tecnologia para vestir" (tais como o Google Glass; tênis que produzem energia e tecidos fotosensíveis ou termosensíveis). A tecnologia permite a adição de valor na cadeia e também influencia na qualidade das peças: as empresas que se destacam apostam cada vez mais em processos limpos, certificados, sustentáveis e capazes de disputar com qualquer empresa global.
A Moda muda constantemente, mas atualmente há uma tendência em reinventar o passado. Como você percebe esta realidade?
Na verdade as referências ao passado existem em todas as áreas: na arquitetura um novo processo surge a partir da evolução do anterior; na gastronomia há periodicamente um resgate da tradição ou referências à confort food e mesmo no cinema permanentemente vemos remakes de filmes ou uso de gibis antigos, por exemplo. Na moda é a mesma situação, temos referências do passado sob o prisma do presente. Não estamos reinventando, estamos resgatando conceitos para aprimorá-los adequando-os aos novos comportamentos contemporâneos. Ou mesmo somente reverenciado boas ideias como forma de homenagem e, muitas vezes, esta é uma expressão artística, área com o qual a moda dialoga constantemente.
O consumidor está cada vez mais informado e possui uma nova relação com a Moda. Como você acredita que isso influencie as indústrias têxteis e de confecção? Como o empresário deve lidar com este novo consumidor?
Recentemente em nossa revista ITT Press conversamos com o estilista Walter Rodrigues, hoje consultor da ASSINTECAL em projeto do evento Inspiramais. Ele analisou esta nova relação como sendo a grande revolução da moda. Antes havia um foco no mercado, na quantidade, qualidade e entrega. Hoje o foco está no cliente, que assumiu as rédeas da criação ao ganhar voz não somente com as redes sociais mas também com blogs e como trendsetters. A companhia de moda que não se envolve com seus clientes, seja em qualquer um dos elos da cadeia têxtil, vai sofrer para permanecer no mercado. Para o empresário mais tradicional é o momento excelente de preparar seus sucessores, abrir espaço para o novo e abraçar as ideias da geração que chega com um entendimento maior sobre essas novas relações com o consumidor.
Hoje o calendário de feiras, eventos e desfiles está cada vez mais intenso. Por outro lado, crescem o número de blogs e aplicativos que apresentam os looks do dia. Como você percebe a influência das passarelas e da moda das ruas no dia-a-dia do consumidor?
O consumidor hoje tem acesso irrestrito e em tempo real aos direcionamentos de moda, mas a influência da passarela e da moda das ruas continua a mesma: ela sempre será muito forte para o consumo. A mudança ocorrida é na velocidade com que ela atinge a sociedade. Quem gosta de moda e decide seguir as tendências (pois nem isso é hoje tão importante no vestuário tendo em vista que cada tribo possui sua moda própria), terá que fazê-lo muito mais rapidamente do que há 5 ou 10 anos. Por isso o fast fashion está tão em alta, pois atende a este público que exige adaptações de acordo com a moda de rua, de acordo com o que foi aceito pelos formadores de opinião que os influenciam.
Como uma empresa de confecção pode inovar e ser competitiva hoje em um mercado que possui uma cadeia produtiva dinâmica e globalizada?
Antes de mais nada o reconhecimento de seu público e a fidelização deste consumidor. Não adianta chegar com uma coleção para os pré-adolescentes numa temporada e para mulheres mais velhas na outra. Valorize seus clientes sempre.
É preciso também contar uma história de moda, adicionar valor emocional/cultural/social ao produto. Depois garantir a sustentabilidade (que passa por temas sociais, ambientais e econômicos), a qualidade e a inovação.
Muitas indústrias têxteis e de vestuário ainda caracterizam-se como empresas familiares. Com a internacionalização da produção e o mercado das fast fashions cada vez mais acelerado, como você acredita que as empresas brasileiras podem estar preparadas para atuar neste novo cenário?
Ser uma empresa familiar ou não é algo irrelevante neste processo quando a gestão é bem organizada. O que não pode acontecer é o empresário enriquecer e a empresa empobrecer. O caminho passa pela valorização da companhia como patrimônio a ser defendido e expandido. Falamos muito de sucessão, pois somente com o abraço às novidades, apenas com a valorização das novas ideias ? porém sem dispensar a experiência ? será possível manter-se competitivo.