Não se pode negar que uma dinâmica e um ritmo ainda mais acelerado ao já tão apressado ciclo da moda tem acometido o mercado nos últimos tempos. É também difícil contestar que com tamanha velocidade (e voracidade comercial), seja um tanto complexo desenvolver produtos criativos e inovadores.
A quase ausência de produtos realmente originais e encantadores, muitas vezes, faz crer que estamos vivendo uma crise de criatividade no campo da moda.
Alguns apocalípticos responsabilizam o fast fashion por isso e o acusam de instituir um movimento excessivamente frenético que impele as indústrias à cópia – o que tem impactado inclusive nas empresas que não o adotam e profetizam o fim desse modelo de gestão.
Seus defensores, no entanto, afirmam que este não se trata (absolutamente) de um modelo de negócio pautado na venda de produtos de baixo valor agregado e sem nenhuma criatividade. Ao contrário, asseguram que atender às demandas de um mercado tão exigente, requer intensa pesquisa e, sobretudo, elevada capacidade criativa.
O fato é que, independente do modelo de gestão adotado pelas indústrias da cadeia produtiva de moda (sazonal, hipersazonal, slow ou fast fashion), há a necessidade de se criar algo novo para que as confecções possam manter o ritmo e, por fim, sobreviver a cada estação por meio de um processo de criação de moda inovador.
Abro aqui um parêntese: “a cada estação”? Alguém pode me explicar como estão divididas as estações? E se elas têm sentido num modelo regido pelo instante já?
Massacrados por prazos, números e incertezas das mais diversas ordens – traços da hipermodernidade, como bem nos aponta Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky – é natural que designers e estilistas tenham seu potencial criador (negativamente) afetado.
Para criar e inovar é necessário ter um repertório cultural bastante vasto/ Reprodução
Mas, sobre criadores e criação, uma questão tem me chamado bastante atenção: percebo que mais que prazos e cifras, o que tem comprometido, de modo incisivo, o processo de criação na moda é a falta de repertório cultural dos profissionais de criação.
Convenhamos, o repertório cultural é essencial ao processo de criação na moda! Não quero parecer pessimista, mas observo com certa angústia que poucos alunos(futuros e atuais) e profissionais têm-se dedicado a compor e/ou alimentar esse repertório.
Isso requer mais que fazer uma pesquisa de tendências via internet. Compor tal repertório significa buscar-atualizar-estocar-revigorar o conhecimento, esse que se acumula ao longo dos anos e que é dado pelos filmes que vemos, livros que lemos, lugares que visitamos, pelas músicas que ouvimos, comidas que comemos, experiências que vivenciamos.
Diz respeito a estar aberto aos conhecimentos que o mundo nos oferece, exige observação atenta do nosso entorno – demanda apreender/perceber o grafite no muro de rua, a propaganda no ônibus, a loja de produtos populares que vive lotada, o culto religioso daquela igreja da qual mal se entende o nome, uma construção com uma arquitetura diferente, o corte de cabelo das pessoas, o programa de televisão que passa na madrugada, a feirinha de verduras do bairro. Impõe reconhecer a relevância da diversidade da informação para a prática criativa.
Por Clícia Ferreira Machado
Consultora da federação das Industrias de MG