Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP
A moda, por conseguinte, o vestuário, é um dos elementos que constitui o nosso universo, ou aquilo que os estudiosos chamam de “moda subjetiva”, isto é, a roupa como uma das tantas variáveis que compõem o sujeito (individual, pessoal e particular). Mas, o que entender por subjetividade da moda?
Rolnik (1989) defini a subjetividade como o perfil de um modo de ser, de pensar, agir, sonhar, amar etc., em determinada época, e que também são variáveis componentes outros verbos atuantes no tempo e no espaço como: se comunicar, aprender, trabalhar, curar, aprisionar, adoecer, libertar. E o se vestir/adornar, interferindo sobre os corpos, compõem os modos de relação dentro de uma subjetividade, a qual é estetizada e apresentada pela moda através dos reflexos sociais decorrentes da moral, da arte, religião, economia etc.
O “espírito do tempo” (Zeitgeist) compõe e é composto pela moda. Em cada época, cada cultura desenha e redesenha seus parâmetros estéticos de acordo com os seus anseios, e a pele é uma subjetividade que ganhou o lugar privilegiado de estar ao mesmo tempo no corpo e no mundo. A pele/corpo materializa aquilo chamamos de indivíduo.
A mudança na aparência gera aparência de mudança, haja vista que a subjetividade contemporânea é composta por fluxos, fluxos tão intensos que a capacidade de mudar a si próprio, pela inserção de piercings, tatuagens, acessórios, roupas, cores e cortes de cabelos, é tida como um estado ideal. E a moda, efêmera por natureza, é terreno fértil para estes movimentos.
As interações subjetivas entre o indivíduo e aquilo que ele tem no guarda-roupa vem de longa data, fenômeno que se intensificou com a expansão do prêt-à-porter. A partir de então, tornou-se natural tentarmos, mesmo que inconscientemente, identificar o estilo de uma pessoa através daquilo que ela veste.
Greg Friedler, fotógrafo norte-americano e cientista político, convidou ao longo de anos pessoas com diferentes tipos físicos e estilos para se despirem em suas fotos. O resultado pode ser visto nos livros “Naked New York”, “Naked Los Angeles” e “Naked London”.
A ideia de Friedler foi fotografar cada pessoa vestida e despida de modo a poder mostrar os dois lados de um mesmo indivíduo, isto é, o público e o privado, sendo o público a maneira como ela se apresenta no dia a dia perante a sociedade e o privado a pessoa nua e crua em sua intimidade e essência.
Na moda subjetiva entende-se que a roupa é mais uma variável que compõe o sujeito (individual, pessoal e particular)/ Reprodução
Para Friedler essa versão vestida é apenas uma parte de uma verdade. Afinal, as roupas, espontaneamente, alteram-se de acordo com a nossa vontade, ou seja, refletem como nós gostaríamos de aparecer, ou como sentimos que devemos ser. Ao colocar-se em foco uma pessoa nua, deixam-se de lado as expectativas que seu modo de vestir produz sobre sua ocupação ou nível social, modo de ser e preferências. Contrapor essas duas imagens, lado a lado, nos faz perceber como os corpos se transformam ao ser vestidos, o quanto um corpo nu pode transmitir diferentes impressões ao ser coberto.
Muitas são as questões que envolvem essa discussão, mas a declaração de que a sociedade se baseia na roupa é bastante significativa. Parte da função da roupa é o de tornar a sociedade possível, de ser parte da produção e da reprodução de posições de poder.
Isto é, o indivíduo refém da moda subjetiva contemporânea tem apenas duas possibilidades de escolha: ou torna-se um fashionista ou cria para si estilos em cima das criações dos estilistas. Só podemos entender que ao mesmo tempo em que o indivíduo emprega a moda a seu favor, o poder das grandes marcas e da mídia massacra as subjetividades com propostas massificadoras, tudo em prol da facilitação das vendas.
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