Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP
Nas últimas semanas o assunto “uso de bermudas por homens nos ambientes corporativos” entrou em pauta nos mais diversos cadernos dos veículos de comunicação. Esse tema ganhou destaque quando três jovens profissionais cariocas ganharam visibilidade nacional ao criar o movimento _ https://www.bermudasim.com.br/, que visa discutir e angariar espaço para um novo e mais adequado visual de trabalho para os homens tropicais.
Na realidade, essa discussão se reacende quase 60 anos após o primeiro estimulo à questão. Não diferentemente ao que a motivou lá em 1956, com Flávio de Carvalho, vemos novamente o calor – historicamente – excessivo dessa temporada, somado a incoerência de um guarda-roupa europeu herdado de nossa colonização.
Exemplos de looks de verão adequados para o ambiente corporativo/ Reprodução
Flávio de Carvalho, um dos grandes nomes da geração modernista de 1922, criou a sua Experiência Nº3 ("New Look de Verão", uma das mais importantes peças da arte brasileira do século 20) e saiu pelas ruas de São Paulo vestindo uma blusa de mangas curtas, saia acima dos joelhos, meias arrastão, sandálias de couro e chapéu de náilon. Isso mesmo! Para ele, o homem daquele momento era alguém que sentia calor, portanto, uma vestimenta adequada incluiria uma saia. Porém, a ideia não fez sucesso por ir à contramão dos valores culturais brasileiros arraigados num contexto conservador, machista e moralista, que não atribui utilidade à saia, mas apenas uma conotação feminina e subestimada.
Vale ressaltar que o começo do uso das calças se deu pela necessidade de proteção contra as agressões da natureza e, portanto, é uma vestimenta tipicamente masculina e funcional, que nasceu nas classes hierarquicamente mais baixas. Isto é, a aclamada calça como sinônimo de civilidade só foi adotada pela burguesia no século XIV juntamente com o gibão e, as saias, já faziam parte da indumentária masculina séculos antes.
Traje de verão: Flávio de Carvalho desfilando o "New Look de Verão"/ Reprodução
Nessa discussão de um novo dress code masculino para o século XXI, a bermuda entra ganhando a disputa, afinal, os homens de uma forma geral já aprovam. Transferi-la para os escritórios seria menos sofrível do que incorporar o sugerido Traje de Verão de Flávio de Carvalho. Aliás, sobre essa questão polêmica do uso de saias por homens ainda vemos que os mesmos dogmas da sociedade da década de 50 perduram, uma vez que há poucos dias a saia foi utilizada por um ilustrador carioca, que proibido de trabalhar de bermudas em sua repartição pública, optou pela saia como forma de protesto. Postou sua foto em rede social e virou hit.
Recentemente o movimento em prol das bermudas ganhou endosso quando o Tribunal de Justiça de São Paulo tornou facultativo o uso de terno completo em suas dependências e nos Fóruns de Justiça do Estado até o dia 21 de março – final do verão.
Como toda mudança cultural é gradativa, ainda vemos que apesar do sucesso, o novo traje de verão ainda enfrenta barreiras. Vários depoimentos de funcionários e empresários que optaram pelo uso da bermuda em dias de calor, apontam que a calça permanecerá na gaveta do escritório caso precisem atender algum cliente de emergência.
O uso de bermudas sempre foi aceito na empresa Groupon/ Reprodução
Parece-me que as bermudas ainda estão na ilegalidade moral. Parece-me que elas ainda estão associadas ao descaso, lazer e falta de profissionalismo. Minha esperança é que de fato a bermuda seja incorporada ao guarda-roupa masculino como uma opção tão válida quanto a calça, e não somente com um subterfúgio ao verão, afinal, no Brasil faz calor até em dias de inverno.
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