O prefácio do livro “Conquistas humanas – Vestuário” escrito por Ruth Guimarães, faz uma boa reflexão sobre a função do vestir e da moda. Portanto, copio o texto na íntegra para que pensemos: afinal, por que nos vestimos?
Se alguém fizer esta pergunta a alguém:
– Por que você se veste?
– Ora essa! – Será resposta, provavelmente muito assombrada – Ora essa!
Parece tão óbvia a razão de nos vestirmos, tanto estamos habituados a andar envolvidos em panos! E talvez até não se saiba dar mesmo assim de pronto, a razão última do uso do vestuário. Ou talvez não se possa dar uma resposta só, pois a pergunta admite várias.
– Porque preciso me defender de intempéries.
– E no bom tempo?
– Bem, há o frio.
– E no calor?
– Ora, há o vento. O sol é causticante. Queima, irrita a pele.
– E nos dias amenos?
E nosso interlocutor enveredará por outro caminho:
– Era só o que faltava, andar a gente sem roupa!
– Os índios não andam? Morrem por isso?
– O pudor me obriga a cobrir-me
– Os índios não terão pudor?
– Ah, estão acostumados!
– Então o pudor é questão de costume?
E perguntamos novamente, cada vez mais implicantes:
– O pudor obrigará a mulher a usar imensos decotes? E vestidos curtos? E saias abertas? E calções de banho resumidos? E roupas colantes? E o pudor obrigará – quem sabe? – os homens a amarrarem uma gravata no pescoço? E a vestir paletós de mangas compridas, pesados e quentes no verão, enquanto sua namorada ao seu lado passeia de braços nus e vestido vaporoso?
E o nosso amigo recomeçará:
– A tradição…
– Sim, a tradição. Que tradição será essa que muda a todo instantes? Será por tradição que as saias hoje estão nos joelhos, amanhã nas canelas, depois de amanhã nas coxas, nas quadras de tênis tem dois palmos, nos bailes descem aos pés? Tradição será vestir calças de boca larga neste ano, de boca estreita ano que vem? Tradição, usar jaquetão, casaca, “slacks”, mas variando sempre nas cores, no modelo, no tecido, na confecção, nos enfeites? Tradição a variedade, se a tradição é conservar? Os camponeses das velhas civilizações, guardiões da tradição, não variam jamais seus modelos.
– Está bom – dirá a pessoa – a moda obriga.
– Ah, a moda! E quem faz a moda? Por que um modelo pega e outro não? Por que é maior ditador o costureiro que o faraó, que Luis XIV, que o “kaiser”, que o “czar” da Rússia, que as Leis Suntuárias?
– Bem…
Bem, nós não sabemos. Podemos escrever a história da moda, registrar-lhe as variações, procurar captar-lhe a fugidia beleza, mas jamais explicá-la.
Entretanto, há uma coisa que salta aos olhos de qualquer pessoa, se ela se detiver um instante para penar nisso. É que, por maior que seja a variação, ou talvez por grande que seja a padronização imposta pela moda, cada um põe no que veste um toque de seu espírito, um arranjo pessoal, o seu gosto, o seu humor, o seu desejo, a sua maneira de ser. Suponhamos que encontramos na rua um senhor muito distinto no seu terno cor de cinza, de camisa branca, de colarinho engomado, de sapatos pretos, polidos, e, ao lado dele um moço de blusão vistoso, cabelos cheios, sapatos rasos descuidados. Não sabemos o que um pensa e quer, e o que quer e pensa seu companheiro? Se os virmos pelas costas, ao longe parados, sem que possamos distingui-los pelo andar, não saberemos qual é o mais moço e qual o mais velho?
Toda uma filosofia de vida, toda uma escolha, todo um pensamento, uma direção, um modo de viver, transparecem através do vestuário. Isto é inegável. Mostra-me o teu guarda-roupa… e eu te direi quem és.
Por Gabriela Maroja
Professora e Coordenadora em moda do Unipê/JP
Fonte
GUIMARÃES, Ruth. Coleção Conquistas Humanas- III volume: Vestuário. São Paulo: Circulo do Livro, S/D.