Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP
Tomemos como discurso a produção de efeitos de sentido que é realizada por sujeitos sociais ao fazerem uso da materialidade da linguagem. Dessa forma, àquilo que vestimos ou como nos representamos nas mídias sociais também passa a ser um discurso, pois implica na utilização da linguagem visual para a representação de nós mesmos através de uma estética.
O discurso sempre será uma construção de linguagem realizada por alguém sob determinada condição. Portanto, a construção de um discurso jamais estará isenta de alguma ideologia ou direcionamento, em princípio, pelo simples fato de que ela parte de um determinado sujeito que ocupa uma determinada posição dentro de um determinado contexto histórico e social.
Esse conceito fica visível no exemplo a seguir. A estátua de David, feita por Michelangelo, foi criada pautada num modelo de beleza que, para o autor, tratava-se da mais perfeita forma criada por Deus: o corpo masculino. Mais do que a simples representação de um corpo adolescente nu, a obra traz para dentro de si as proposições máximas da estética e da filosofia do Renascimento.
À esquerda, estátua “Davi”, original de Michelangelo e, à direita, imagem manipulada “Fat David”. Ambos partem de um mesmo referencial, porém com discursividades estéticas distintas.
A releitura dessa estátua na imagem do David Gordo (Fat David) é uma campanha publicitária feita pela agência de publicidade Scholz & Friends, de Hamburgo, para a Federação Alemã de Esportes Olímpicos, que está repleta de discursividade estética. No pé da imagem consta originalmente a frase: "Se você não se mover, você vai engordar”. Ou seja, o enunciador desse discurso faz uma crítica a inércia da estátua, que é a maior referência ocidental do ideal de corpo masculino, chamando-nos a atenção a um corpo obeso, muito em função do ritmo de vida, das facilidades tecnológicas e da alimentação industrializada altamente calórica que consumimos.
Assim, vemos que a discursividade estética pode nos proporcionar possibilidades (sempre híbridas) de construção de sentidos. Basicamente podemos entender três aspectos de abordagem: o artístico, o publicitário e o foto jornalístico. Analisando alguns exemplos, podemos entender melhor as diferenças e propósitos de cada abordagem.
Essa imagem abaixo faz parte da série fotográfica “Brasília Teimosa”, realizada em 2005 pela fotógrafa Bárbara Wagner. A série tem a ideia de trazer luz às questões raramente tocadas diretamente pela mídia, que por natureza estigmatiza as questões de gosto, de consumo e de comportamento experimentados em bairros de classes populares brasileiras. A linguagem típica da publicidade foi explorada como recurso para endossar o discurso visual: imagens brilhantes, cores vivas e uso de flash e temas pessoais.
Essa outra imagem é de Davide Bellocchio, um italiano ex-diretor de arte e fotógrafo, conhecido por suas manipulações fotográficas. Através de intervenções gráficas, Davide constrói narrativas com forte conotação publicitária e fotojornalística, tanto com a finalidade de promover alguma ideia/produto, como simular a documentação de fatos socialmente verossímeis.
E, por fim, essa imagem é da fotógrafa de moda “Miss Aniela”, conhecida por suas composições exuberantes e surreais. Através de intervenções gráficas, Aniela constrói narrativas com forte conotação publicitária e artística, tanto com a finalidade de promover alguma ideia/produto, como remeter aos valores e conceitos do surrealismo.