As liquidações nas lojas de moda já começaram (ou terminaram) antes mesmo dos lançamentos da estação se consolidarem, seja o verão austral, seja o inverno boreal. Na verdade, até nisso a globalização tem influenciado o mercado.
Na essência, alguns fatos estranhos à moda têm reduzido o consumo de vestuário. Parece exagero, mas não é: a crise dos alimentos em nível mundial e a provável recessão nos mercados maduros influenciam a maneira que os consumidores gastam.
Se a cada minuto se anuncia o aumento do preço do feijão, do trigo, da carne, do combustível, ou seja, de produtos essenciais para a sobrevivência, a preocupação com outros bens de consumo tende a diminuir. Em pleno século XXI a Hierarquia das Necessidades Humanas, definida por Maslow nos anos 50, nunca esteve tão atual.
Na famosa teoria, à medida que uma necessidade é satisfeita, outra é automaticamente gerada, sempre buscando um patamar superior, condição natural do ser humano. As primeiras necessidades, as fisiológicas e de segurança são aquelas relacionadas com a sobrevivência do indivíduo e a garantia da sua condição de viver. Essas duas necessidades estão mais próximas do consumo de vestuário.
Em seguida, vem a necessidade social, relacionada com o entrosamento do indivíduo em um grupo, e é aquela bastante explorada pelo mercado de moda para adolescentes e emergentes, ou seja, grupos que procuram identidade e reconhecimento.
No patamar acima Maslow define a necessidade de estima, aquela relacionada com o destaque do indivíduo dentro de um determinado grupo social, e onde o culto às celebridades tende a reinar como ferramenta de vendas de produtos.
A última das necessidades, a de autorrealização é a mais subjetiva de todas, onde o indivíduo procura satisfazer a si mesmo, sem se preocupar com os agentes externos, sejam eles condições ambientais ou sociais. E essa tem sido a necessidade mais trabalhada na atualidade, gerando o consumo ético, justo e meritório.
Necessidades mais urgentes dos consumidores leva a redução de compras em liquidações/ Reprodução
Voltando à conjuntura atual, o terrorismo midiático da falta de alimentos traz à tona as necessidades fisiológicas e de segurança até para os que nunca sentiram o que é não ter. Para aqueles que tinham começado a provar o que é ter e o que é poder consumir, ou seja, as classes emergentes, os bens duráveis parecem ser mais atrativos, visto que parecem garantir por mais tempo a satisfação tão perseguida.
Por fim, o atual sistema de moda, com coleções que não correspondem mais às estações do ano, ou que são incompatíveis com a mobilidade fazem com que se sinta um descompasso entre o mundo do consumo da moda e o mundo real do repensar atitudes coletivamente.
Por tudo isso, misturado e desordenado na cabeça das pessoas, anúncios de liquidações têm trazido a imagem guardada na memória de um guarda-roupas lotado em casa, muitas vezes com peças que nunca saíram à rua.
Por Maria Alice Rocha
Doutora (PhD) em Design de Moda