Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP
Uma das maiores redes de moda do país veiculou em homenagem ao Dia Internacional da Mulher desse ano uma peça publicitária com sua ação promocional para a data. Porém, a repercussão do vídeo nas redes sociais não se deu pela promoção propriamente dita, mas sim pela interpretação que o público deu ao vídeo “Mulher Brasileira”.
A ideia de racismo é apontada pelos críticos no fato das modelos brancas aparecerem servidas pelas mãos e braços negros que aparecem exibindo produtos. Em nota oficial, a marca negou qualquer intenção de exclusão e reforça que sempre buscou a democratização da moda, mas, mesmo assim, optou por retirar o vídeo do ar.
Resolvi fazer uma análise semiótica do comercial. Note que ele é todo construído em apenas três cores: preto, branco e vermelho. O vermelho está pontualmente nos produtos e o preto e branco alternam-se entre cenário, demais objetos de cena e as modelos.
Se buscarmos referência na Psicodinâmica das Cores, veremos que o vermelho aciona no cérebro a Amígdala e o Núcleo Accumbens, estruturas ligadas ao sentido do prazer, provocando emoções relacionadas à sexualidade. O preto também sensibiliza a Amígdala, regulando o comportamento sexual e sugerindo mistério, superioridade, além de nobreza e distinção.
Por fim, o branco aciona o Córtex Cerebral Esquerdo, responsável pelo pensamento lógico e a comunicação, sugerindo como efeito no indivíduo a pureza, luminosidade e calma e, se combinado com outras cores, proporciona harmonia. Ou seja, cores muito bem selecionadas para compor um efeito visual e comunicação fortes para uma data e mensagem tão importantes.
No vídeo “Mulher Brasileira” também aparecem outros símbolos como o crucifixo, o sapato de salto alto, a lingerie, o calor de pérolas cravado de espinhos, as plumas, o dorso da mulher nua, o excesso de exposição de pele, o tom de voz da narração, a música de fundo, o toque e gestual delicados das modelos. Todos estes signos que nossa cultura interpreta com a conotação sexual e de sofisticação.
Outro ponto muito importante a ser observado está na construção da comunicação visual. A professora de comunicação da Boston University School of Communication, Donis A. Dondis, afirma no seu livro “Sintaxe da Linguagem Visual” que “a utilização mais eficaz dos mecanismos de percepção visual consiste em situar ou identificar pistas visuais como uma coisa ou outra, em equilíbrio ou não, forte ou ameaçadoramente frágil. Os gestaltistas trabalham com essa necessidade, e descrevem os dois estados visuais antagônicos como nivelação e aguçamento.” (pág. 112).
Modelo híbrida pode sugerir miscigenação racial ou apenas acessórios fetichistas/ Reprodução
Isto é, o recurso de trabalhar em P&B (preto e branco) com ponto focal no vermelho é uma das possibilidades estéticas de se construir uma imagem forte e ao mesmo tempo delicada, nobre e sexualmente instigante.
Para mim, ainda, é possível compreender que “as mãos negras” na verdade fazem alusão a delicadas e sedutoras luvas do tipo 7/8. É possível constatar isso na cena em que a modelo aparece com as mãos na cintura (foto acima), como se estivesse usando uma lingerie completa: sinta liga, meias, luvas. Essa conotação também é simulada quando a modelo aparece com as pernas pintadas como uma bota de cano longo – objeto também extremamente fetichizado, assim como as luvas.
Outra possibilidade para entender melhor o objetivo desse projeto de comunicação é notar que as mãos fazem parte de uma mesma pessoa, híbrida, miscigenada, uma mulher tipicamente brasileira, assim como se propõe o tema do vídeo “Mulher brasileira”.
Observe que as mãos são da própria modelo e estão em posição de auto toque/ Reprodução
Marcas de abrangência nacional geralmente incluem nas suas campanhas as mídias de massa, o que significa comunicar também para pessoas que muito provavelmente não sejam o seu público prioritário. Isto é, pessoas que desconhecem o universo da marca e que não têm uma bagagem cultural compatível com a expectativa daqueles que conceberam um vídeo que carece de interpretações mais elaboradas.
Outras ações de moda que deram o que falar:
– Marca usa mulheres “reais” como modelos em campanha
– Corpo da mulher real é valorizado em campanhas publicitárias
– Desenho de moda: estereótipos reforçados?