É o pensamento comum que sugere que as roupas devem circular, saindo dos nossos armários, especialmente se passarmos um ano sem usá-las, que devemos “desapegar” e livrarmo-nos daqueles afetos que nos fazem manter peças velhas. Subjaz esse olhar para os objetos, e as roupas em particular, a ideia de que podemos, e devemos, nos desfazer do velho a fim de dar espaço ao novo.
Contudo, todos seremos capazes de identificar em nossa história um momento em que foi difícil nos desfazermos de uma peça de roupa; seja uma camiseta velha ou um jeans detonado. E qual é a razão desse afeto? O que nos faz termos dificuldade de fastar o tênis destruído e sujo? O que nos faz termos dificuldade de fastar o tênis destruído e sujo? Por que é difícil desapegar das roupas?
Segundo Peter Stallybrass, no belíssimo texto “A vida social das coisas”, a roupa traz, nos seus puimentos e manchas, uma memória. A memória de sua existência, construída a partir das vivências de quem a veste. A roupa nos recebe, esta é sua mágica: recebe nosso cheiro, nosso suor, nossa forma. Ainda que já abandonadas por seus usuários, continuam sustentando seus gestos; elas recebem a marca humana e resistem à história de nossos corpos.
Outro motivo que explica por que é difícil desapegar das roupas é o cheiro da roupa, mesmo que não seja percebido, evoca o apego infantil que tivemos ao nosso cobertorzinho quando éramos pequenos, ao “cheirinho”, como dizem as mães, ou ao ursinho que nos acompanhava em qualquer lugar e não admitíamos que fosse lavado. Esse elemento, fosse uma roupa, um bichinho de pelúcia ou um cobertorzinho, era algo que falava ao nosso Eu, nos ajudando a compor quem somos.
Segundo Stallybras, do mesmo modo agem sobre nós o encardimento de uma camisa, a sujeira de um tênis ou a bainha puída da camisa usada. A roupa, sendo este elemento particular, nos confere identidade. Refletir sobre nossas vestes é pensar sobre memória, sobre a nossa história.
Por que é difícil desapegar das roupas? Pois elas são uma extensão de quem a utiliza/ Reprodução
Ao pensarmos em alguém ausente e observarmos suas roupas, veremos como estas absorvem a sua presença. A roupa, ao manter em si o cheiro de quem a usou e ter absorvido a envergadura do seu dono, o traz em si, sem que a presença do dono seja solicitada. A roupa leva um pouco de nós e mantém em si um tanto de quem já a vestiu. Ali estão corporificadas memórias e relações sociais, a identidade de uma maneira extremamente visível.
No entanto, percepções como esta são raras na sociedade atual, visto que estamos, de acordo com o autor, quase soterrados pelas coisas materiais que consumimos. Coisas são coisas: não as amamos, apesar de desejá-las tanto, e por isso, para nós, continuam sem vida e são descartadas. Temos dificuldade de reconhecê-las como partes constituintes da nossa história e preservá-las com cuidado, dando valor à memória e aos fatos que nos constituem.
Por Ana Carolina Steil
Pós-graduanda em Mídia, Moda e Inovação no Senac/RS