Poucas vezes a um pesquisador é conferida uma leitura não técnica, daquelas que nos dão saudades dos romances. Pois, lendo Baudelaire, precisamente “O pintor da vida moderna”, obra de 1863 e referência na noção de modernidade em arte, encontro um capítulo chamado ‘Elogio da Maquilagem’, o qual me surpreendeu sobremaneira.
Capa do livro de Charles Baudelaire: O Pintor da Vida Moderna/ Reprodução
A surpresa se deu por estarmos tratando de um texto do final do século XIX, período em que as mulheres ainda nem haviam abandonado o uso da crinolina. Mas vamos ao argumento de Baudelaire. Diz o autor que a concepção moral do século XVIII tomou a natureza como base, modelo e fonte de tudo o que é belo e bom.
Contudo, esta ideia não é compartilhada por ele, que julga a natureza como a fonte dos nossos desejos mais imediatos e de toda a corrupção e maldade humanas. Para Baudelaire, como para outros pensadores, o homem, por natureza, não é bom; ele carece da civilização e da contenção de uma sociedade para civilizar seus impulsos primitivos.
A natureza, portanto, é responsável por nos conduzir a matar e torturar nossos semelhantes. Ideia esta que não é compartilhada por todos, fique claro. Pensadores como Rousseau, por exemplo, julgam o processo no sentido inverso: o homem é bom por natureza, o que o corrompe é a sociedade.
Pensador Charles Baudelaire/ Reprodução
Mas Baudelaire entende, por outro lado, que a filosofia e a religião é que são as responsáveis por nos fazer indivíduos capazes de viver em grupos. Elas nos ensinam a compaixão. A natureza, contrariamente, é a voz do nosso egoísmo. O que é belo e nobre, portanto, é resultado da razão. A virtude é algo artificial e cunhado por força da civilização.
Ora, mas o que tem isso a ver com a maquiagem? Tudo. Toda a ideia que o autor tem sobre a natureza como má conselheira da moral ele transpõe para a ordem do belo. Assim, os adereços são a marca da nossa capacidade de elaborar os desejos mais imediatos e de nos tornarmos civilizados. O desejo pelo belo, pelos acessórios, apenas denunciariam a nossa capacidade de elevarmo-nos por meio da razão, nos afastando assim da crueza da natureza e do mais primitivo do nosso ser.
A moda, segundo Baudelaire, deve ser entendida como uma tentativa de reforma da natureza, um esforço sempre novo em direção ao belo. Dirá ainda que a mulher tem todo o direito de parecer mágica. Além disso, que ela deve dourar-se para ser adorada, cumprindo uma espécie de dever feminino ao surpreender sempre novamente.
A mulher deve estar acima da natureza, pouco importando que o truque e o artifício usados sejam conhecidos por todos. Quem irá questionar a verdade da beleza de uma mulher maquiada, enquanto ela encanta a todos com um rosto luminoso e olhos expressivos? A maquiagem, segundo Baudelaire, deve exibir-se.
Por Ana Carolina Steil
Pós graduanda em Mídia Moda e Inovação Senac/RS
– Sociologia e a filosofia no ensino de moda