Por Lucía Andrea
Designer e empresária de moda
Muito se fala sobre a cultura brasileira em infinitas tentativas de defini-la, mensurá-la ou quantifica-la em um conceito compacto. Mas suas origens remontam a uma mistura tão bem feita, que já se torna difícil traçar um ponto de partida. No entanto, alguns dos seus ingredientes deixaram marcas evidentes na identidade nacional. A moda brasileira, em seu sentido amplo de fenômeno social, adquire características próprias do povo no qual está inserida. Mas afinal, quais seriam essas características?
Para responder a essa pergunta, é indispensável olhar para trás, para as origens do próprio Brasil. Tal como tratou Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro três são as matrizes responsáveis pelo caldo cultural que temos hoje no país: indígena, portuguesa e africana. E apesar de terem se passado mais de 500 anos, ainda é possível identificá-las, na moda brasileira.
A herança da floresta
O cronista francês Jean de Léry viajou ao Brasil na segunda metade do século XVI e conviveu durante muito tempo com os índios tupinambás. Em sua obra, Viagem à terra do Brasil, descreveu a maneira como os índios se cobriam e se ornamentavam. Alguns desses detalhes permaneceram vivos no imaginário brasileiro: cabelos compridos e soltos, orelhas furadas, prazer em mostrar as nádegas, gosto pelo corpo pintado e bem cuidado com óleos vegetais, hábito da depilação, colares de contas enrolados aos braços, cestas de palha que viraram bolsas, colares atravessados dos ombros à cintura e também a nudez por puro prazer, sem exibição.
O estilo lusitano: uma mistura ainda mais remota
Sumário
Durante o descobrimento do Brasil, vivia-se na Europa a época do Renascimento. O estilo da indumentária possuía algumas interpretações próprias em Portugal, que por sua vez havia sido fortemente influenciado pelos mouros. Caracterizava-se especialmente pelo luxo e desembarcou no Brasil junto às primeiras mulheres que aqui se estabeleceram. Posteriormente, esse estilo se viu influenciado também pelas francesas, que chegaram ao Novo Mundo trazendo seu conhecimento como modistas, floristas e chapeleiras. Mais tarde uniram-se ainda as influências inglesas, polonesas, ciganas e judaicas, afinal, muitos foram os que aqui vieram buscando um recomeço.
Hoje, ainda é possível observar na moda brasileira algumas expressões do estilo lusitano (e misto!), das quais se destacam: as anáguas com fitas e bordados nas barras, os brincos de ouro filigranado, os lenços e véus para a cabeça, os tamancos de madeira, o gosto pelos tecidos bordados ou trabalhados e as cores verde e vermelho.
Mãe África
Apesar da maioria dos escravos serem despidos ao chegar no Brasil, ex-princesas ou delicadas adolescentes africanas deixaram um vasto legado indumentário, reflexo de um povo que colocava a mulher na condição de uma “deusa-mãe-rainha” na maioria das tribos. Debret e Rugendas, em suas pinturas, bem mostravam os tecidos listrados, à forma de cangas, as cores vivas bem combinadas entre si, os colares, pulseiras e demais adornos usados pelos negros que mais tarde seriam a matriz mais expressiva da cultura brasileira.
Hoje ainda podemos identificar, oriundos daquela época, detalhes tão africanos e ao mesmo tempo tão tupiniquins, presentes no dia-dia da moda brasileira: brincos de argolas, minissaias, unhas compridas (usadas para fazer cafuné!), tornozeleiras, paixão pelo tecido branco, os chinelinhos de salto (permitidos apenas quando o escravo era alforriado), além de claro, a infinidade de enfeites de proteção, como patuás, bentinhos, figas, balangandãs, fitinhas, medalhas, entre tantos outros.
Para saber mais
– A partir da obra de Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, foi produzido um documentário que leva o mesmo nome. De forma muito didática, descreve passo-a-passo a formação cultural do Brasil.
- A jornalista Gilda Chataignier, em seu artigo “Influências Étnicas na Formação da Moda Brasileira” (usado como referência para o presente artigo), faz um paralelo entre as características de vestir dos povos que formaram o Brasil e a moda atual.
Saiba mais:
Processo criativo e sistema de difusão de moda