Na semana passada, finalmente, consegui conferir a mostra Caderno de Roupas, Memórias e Croquis, do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Para profissionais e estudantes de moda, comunicação, artes, design e fãs de carteirinha do estilista (mas não só! Titubeio ao usar essa classificação, que não me parece suficiente para dar conta das múltiplas faces de Ronaldo Fraga. Talvez estilista-artista-designer-escritor-ilustrador-contador de histórias), seria um pecado perder essa exposição!
Dividida em nove ambientes, a exposição reuniu fragmentos do acervo das 35 coleções do estilista, que, visivelmente, abdicam de uma visão totalizante sem, contudo, perder de vista traços característicos do processo criativo do estilista. A produção de Ronaldo Fraga foi compartilhada com o público através de roupas, sapatos, vídeos, acessórios, materiais gráficos e objetos de afeto, que distribuídos em instalações, revelam traços (singulares) do seu universo criativo.
Para além de roupas, o que Ronaldo Fraga nos apresentou (em consonância com o perfil de suas coleções) é uma tessitura, uma narrativa do tempo contemporâneo. Segundo o próprio Ronaldo Fraga, em entrevista sobre a exposição e seu processo de criação, “tem arte popular brasileira, tem literatura, tem política, tem música, tem cenografia, tem moda, tem tragédia e comédia, tem o olhar de espreita sobre a crônica diária do nosso tempo”. A interface entre linguagens, manifesta, se expõe bastante rica ao largo universo explorado pelo estilista.
É uma pena que a mostra estivesse em seus últimos dias – na realidade, para minha sorte (e demais retardatários ou desavisados) a mostra que se encerrava em dezembro foi, oportunamente, prorrogada. Desejei ter o tempo para uma segunda visita (é que para mim, uma segunda leitura é compulsória quando sou inundada por emoções). Assim, poderia esmiuçar e me deliciar com as histórias contadas pelo estilista.
Os ambientes como um todo estavam belíssimos, mas me chamaram a atenção, especialmente, o espaço Para onde a moda me levou, o Espaço Costela de Adão e Moda como biografia – temas que serão revisitados em outro post.
Em Para onde a moda me levou, malas acomodaram objetos, livros, miniaturas, referências, experiências que compõem parte da “bagagem” usada por Ronaldo para desenvolver suas coleções. “Aqui o caixeiro viajante é o próprio estilista, que expõe fragmentos de pesquisas e desenvolvimento de várias coleções”*.
Moda como biografia é um guarda-roupa de memórias. Ronaldo invoca Arthur Bispo do Rosário, Pina Bausch, Zuzu Angel, Louise Bourgeois, Nara Leão, Carlos Drummond de Andrade para construir suas roupas-memória. “Ícones da literatura, música e artes visuais como fontes de pesquisa”*.
Além do esmero nas instalações, o cuidado e atenção a detalhes revelam o perfil vigilante e o olhar sensível de Ronaldo Fraga. Jogo/instalação de espelhos no banheiro, design gráfico na porta dos elevadores, lúdica na sinalização do ambiente do Palácio dos Despachos…
Impossível discorrer/narrar/descrever/expressar o que vi/senti, assim, de modo tão breve. Ronaldo trata de assuntos que nos são muito familiares; até porque, para nós, mineiros, os temas incitam longas e acolhedoras conversas, daquelas que se tem na cozinha, ao “pé do fogão” a lenha. Momento de cuidar da alma, alimentá-la com conversas que fazem bem ao coração… Assim, sem a pretensão de, no melhor estilo mineirês, “encerrar a prosa”, registro minhas impressões amiúde.
Saí da exposição com a impressão de que Ronaldo Fraga quisesse arquivar uma história. Penso que, talvez, uma história impossível de ser contada apenas por meio de palavras, em um texto escrito e impresso.
Ah, segundo informações da Assessoria de Imprensa do evento, a exposição deve seguir para outras capitais. Enquanto isso não acontece, dá para conferir um pouco dessa experiência no vídeo abaixo.
Por Clícia Machado
Consultora da Federação das Indústrias de Minas Gerais