A indústria da moda é uma das maiores e mais lucrativas do mundo. Segundo fontes da Amcham Brasil, cresce cerca de 5,5% ao ano. Se essa indústria fosse um país, poderia ser a sétima maior economia do mundo, apresentando um PIB de aproximadamente 2,4 trilhões de dólares. Contudo, é a segunda indústria que mais polui, após a de petróleo e gás. O mundo consome, hoje, cerca de 80 bilhões de peças por ano, e pode gerar 11 milhões de toneladas de resíduo têxtil apenas nos Estados Unidos.
Segundo o documentário “The True Cost”, salienta-se não só a questão do consumo desenfreado e do desperdício na indústria, mas também aponta a falta de sustentabilidade que permeia toda a cadeia. Como por exemplo, as milhares de pessoas que trabalham nas fábricas têxteis e de confecção recebendo salários baixíssimos, trabalham em condições e locais precários, em alguns casos, em condições de trabalho análogas à escravidão, por jornadas intensas e extensas. No caso das matérias-primas, quase 90% do algodão consumido parte de pesquisas de mutação genética e cultivado com excessivas quantidades de químicos pesticidas para manter sua exímia qualidade. E, finalizando, os processos de beneficiamentos consomem altos níveis de água e a devolvem para o ambiente extremamente poluída resultante dos processos de tingimento e lavandeira.
Esse consumo desenfreado e sem consciência, acarreta um excesso de lixo que precisa ser revertido, tanto na forma de consumo, com a necessidade de se consumir menos, como na forma de reaproveitar esses resíduos em um novo tipo de produto, atraente, duradouro e bem elaborado.
Para a redução desses resíduos, algumas empresas vêm se movimentando em prol da sustentabilidade, e buscando novas formas de reuso para todo esse material têxtil. É sabido que, poucos materiais têxteis podem ser ‘reciclados’, visto que reciclagem, transforma o material a reciclar em material com igual teor e valor. Por isso, os processos de upcycling e downcycling, já falados por aqui, são os que mais interferem nessa mudança de panorama.
No processo de downcycling, algumas empresas já recolhem esses resíduos e separando-os, transformam-no em estopas, enchimento para estofados, colchões, mantas acústicas, barbantes e até automóveis, preenchendo o espaço entre as paredes internas e externas do veículo com feltro produzido a partir de retalhos. O bairro do Bom Retiro, que concentra enorme número de empresas, implantou o projeto “Retalho Fashion” com esse perfil e ainda consegue desenvolver o processo de ‘logística reversa’, onde, empregando pessoas e gerando renda, separa e redistribui parte desse material, seja para o downcycling, para oficinas de artesanato ou para venda de retalhos.
Se formos falar em upcycling, apesar de ainda ser bem remota a iniciativa, algumas marcas trabalham a sustentabilidade de formas bastante interessante. Exemplos como a “Insecta Shoes” que produz sapatos e acessórios veganos, usando tecidos de reuso excedentes de produção, reaproveitamento de jeans de uniformes, tecidos do “Banco do Tecido”, roupas doadas ou de brechó. As outras partes dos calçados são feitas de plástico reciclado e borracha que sobra da indústria calçadista.
Outro projeto é o “Re-Roupa”, que trabalha com mais opções, como dando cursos e oficinas para customizar, reaproveitar e produzir novas peças; consultoria e parcerias com marcas para trabalhar a questão da logística reversa e também tem um ateliê para fazer “roupa feita de roupa”.
Outro documentário que impacta diretamente na forma com que os resíduos podem ser reaproveitados é “Out of Fashion”, onde a designer Reet Aus, que nasceu e trabalha na Estônia, propõe uma forma de produzir, industrialmente, peças de roupas utilizando os retalhos de uma indústria de peças em jeans em Bangladesh e tenta fomentar a sua venda em grandes magazines.
O maior problema que envolve toda essa conscientização e reaproveitamento está no aumento dos custos e a competição de preço do produto, porque as condições de criação são muito diferentes. Assim, o papel do consumidor é importante no processo pois, enquanto surgem marcas interessadas na produção sustentável, o consumidor mais interessado faz com que e os preços caiam com o aumento da oferta e da demanda.
Enquanto isso, é preciso tentar reduzir os resíduos dentro do ambiente fabril, já que processos mecanizados e automatizados podem diminuir os desperdícios, usufruir dos recursos do CAD para modelagem e encaixe é uma grande solução. Além dos processos de modelagem “zero waste” que podem contribuir com essa redução, colocar uma outra história na roupa e mudar o design do produto. Mas esse assunto é para um próximo artigo!
E para finalizar, a frase de Ronaldo Fraga: “Fazer roupa todo mundo faz, aliás, a gente nem precisa mais de roupas. O mundo não precisa mais de roupas (…) Ele precisa de peças que contem histórias, que cantem, que sussurram, que tem ali o canto da sereia, aquilo que te pega, aquilo que te leva.”
Sobre a colunista
Ana Luiza Olivete é designer de moda, consultora empresarial e professora.
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