No filme "O Diabo Veste Prada"…
Miranda – Algo engraçado?
Andréa – Não, nada. É que para mim estes dois cintos são iguais. Eu ainda estou aprendendo sobre esta coisa.
Miranda – Esta “coisa”? Ah, entendi. Você acha que isso não tem nada a ver com você. Você abre o seu guarda-roupa e pega, sei lá, um suéter azul todo embolado porque você está tentando dizer ao mundo que você é séria demais para se preocupar com o que vestir. Mas o que você não sabe é que esse suéter não é somente azul. Não é turquesa. É “cerúleo”. E você também é cega para o fato de que em 2002, Oscar de La Renta fez uma coleção com vestidos somente nesse tom. E eu acho que foi Yves Saint Laurent, que criou jaquetas militares em cerúleo.
Miranda – E o cerúleo começou a aparecer nas coleções de muitos estilistas. E logo chegou às lojas de departamentos. E acabou como um item de liquidação nessas lojinhas de beira de esquina. E foi assim que chegou a você. E sem dúvida esse azul representa milhões de dólares em incontáveis empregos. E é meio engraçado como você acha que fez uma escolha que te exclui da indústria da moda, quando, na verdade, você está usando um suéter que foi selecionado para você pelas pessoas nesta sala entre uma pilha de “coisas”.
O diálogo acima travado entre a editora-chefe de uma importante revista de moda e sua subordinada assistente, recém-contratada e pouco conhecedora do universo da moda, no filme icônico “O Diabo veste Prada”, é um exemplo clássico e prático da teoria de moda conhecida como trickle down.
A teoria trickle down é amplamente utilizada na moda para demonstrar o poder de disseminação das tendências por um grupo formador de opinião, geralmente de classes sociais superiores (segundo Simmel, 2008), sendo atualmente as classes substituídas por um grupo de consumo chamado de “vanguardas”, ou seja, pessoas que estão à frente no lançamento de tendências de comportamento e estilo de vida.
Filme "O Diabo Veste Prada" mostra na prática a teoria trickle down/ Reprodução
No caso do filme, claramente os formadores são os grandes estilistas e os profissionais dos meios de comunicação de moda, geralmente os grandes críticos e que ditam o que vai “pegar” ou não na moda das estações.
Na lógica trickle down os formadores de opinião, estilistas e maisons de Alta Costura ou celebridades, lançam as ideias que são seguidas pelos admiradores da moda, hoje chamados fashionistas e seguem o ciclo de apropriação de todas as classes e marcas até sofrer a cópia e finalmente o desgaste.
É justamente este desgaste a que Miranda se refere quando diz que após a cor ser lançada por Oscar de La Renta e Yves Saint Laurent e escolhida pelos editores de moda, chega aos magazines e depois acaba em tabuleiros de liquidação. O ciclo sempre se inicia novamente, dando origem ao que de fato caracteriza o “ciclo da moda”.
Mas, hoje, na era da informação e da “sociedade em rede”, como diz o estudioso Castells (1999), a moda não se faz apenas verticalmente, mas também horizontalmente, como podemos perceber na teoria da “bubble up” que falaremos em outra ocasião. Fato é que democratização da informação também significou em alguns aspectos, a democratização definitiva da moda.
Por Gabriela Maroja
Professora e Coordenadora em moda do Unipê/JP
Fontes
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros escritos. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.