Por Eduardo Vilas Bôas
Professor de Moda do Senac SP
O século XIX representa o cenário de transformações substantivas na moda de homens e mulheres. Nele, a roupa feminina vai sofisticar-se ao mesmo tempo em que a masculina sofre de um contínuo despojamento. Contudo, não são apenas esses aspectos que fazem deste o século da moda. Uma produção diversificada de discursos sobre a moda teve origem nesse período.
A moda torna-se um objeto a ser mostrado, analisado e registrado. Assim proliferam os periódicos especializados na França; surgem as primeiras colunas de moda nos jornais femininos do Rio de Janeiro; aparecem as histórias do vestuário; publicam-se obras literárias que fazem do universo fashion um assunto digno de atenção e consideração. Mas, principalmente, são elaborados os primeiros estudos sociológicos interessados em aprofundar a dimensão social das vestimentas e da moda.
Dentre essas obras que tratam da sociologia da moda, escritas a partir da segunda metade do século XIX, destacam-se as dos sociólogos Herbert Spencer (1883), Jean-Gabriel de Tarde (1890), Thorstein Bunde Veblen (1899) e Georg Simmel (1909).
Os trabalhos (em sociologia da moda) desses autores foram tão inovadores que, ainda hoje, as questões apontadas por eles são retomadas nos estudos dedicados à moda, principalmente por suas teorias explicarem, ainda que indiretamente e parcialmente, o comportamento social dos consumidores. Em linhas gerais, suas obras abordam também a discussão das diferenças entre moda e costume, a abrangência da moda e de duas características que regulam sua existência: a imitação e a distinção.
Herbert Spencer (1883)
Pioneiro em sua reflexão sobre a moda é o trabalho de Spencer. Sua análise baseia-se nos princípios de imitação e distinção, partindo da ideia de que a mutabilidade da moda decorre do fato de as classes inferiores, em busca de respeitabilidade social, copiarem os modos de ser e parecer das classes superiores. As classes mais abastadas, para manterem a distância, seriam obrigadas então a modificar ou criar novas modas, substituindo as que foram adotadas pelas classes inferiores. Assim, a partir de um duplo movimento de imitação e distinção, ocorreriam as mudanças da moda.
Para o autor, portanto, a moda tem por base a imitação, sendo que esta decorre de dois motivos complemente diferentes: o respeito inspirado por aquele que se imita ou o desejo de afirmar que estamos com ele em pé de igualdade. Nas imitações respeitosas – do superior pelo inferior –, a imitação é um modo de ganhar o favor do primeiro.
Sociologia da moda: estudiosos criaram teorias que ainda hoje são aplicadas ao universo fashion/ Reprodução
Jean-Gabriel de Tarde (1890)
Para o sociólogo e filósofo Jean-Gabriel de Tarde, a moda é “essencialmente uma forma de relação entre os seres, um laço social caracterizado pela imitação dos contemporâneos e pelo amor das novidades estrangeiras” (apud LIPOVETSKY, 1989, p. 266). Ela deve ser entendida como uma forma geral de sociabilidade, presente em todas as épocas e em todas as civilizações. Ainda segundo Tarde, todas as condutas, todas as instituições, são suscetíveis à moda; portanto, não apenas as transformações no vestuário, mas também as alterações na língua, na legislação, na moral, no governo, na religião e nos usos estão sujeitas aos ritmos da moda. Partindo da ideia de que a vida social é feita de invenções que garantem sua renovação e de imitações que garantem sua continuidade e sua estabilidade, Tarde constrói uma teoria que opõe moda e costume. Mais do que isso, divide a vida social em “eras de costume” e “eras da moda”.
Thorstein Bunde Veblen (1899)
O alcance de sua obra pode ser comprovado ainda hoje por meio dos textos do sociólogo Jean Baudrillard e do crítico social Christopher Lasch, que analisam o consumismo e a cultura moderna. Esses autores retomam a ideia de Veblen de que a moda, entre outras coisas, é uma das formas nocivas de consumismo e que suas constantes mudanças se explicariam pelo desejo eternamente frustrado de se escapar da feiura dos estilos irracionalmente impostos. Para o sociólogo americano, a moda é, antes de tudo, a expressão mais perfeita daquilo que denominou consumo conspícuo.
Segundo Veblen, as variações da moda estariam relacionadas às necessidades das classes superiores que, obrigadas a conquistar honra e prestígio, deveriam exibir luxo, manifestar ostensivamente suas boas maneiras e, em especial, adotar constantemente as novidades nos estilos de vestuário e na ornamentação pessoal. Mas, além de ser uma demonstração do consumo conspícuo – revelando que aquele que segue a moda consome bens valiosos em excesso –, o vestuário pode ser também um elemento que comprova a ausência de qualquer espécie de trabalho produtivo. Nesse caso, a moda transforma-se em insígnia do ócio.
Georg Simmel (1909)
O sociólogo alemão alargou a discussão sobre o tema, abordando questões como a arbitrariedade da moda, a antimoda, moda e inveja, moda e ritmo social, entre outras. Além disso, foi um dos primeiros autores a perceber a relação entre a vida nas cidades, o individualismo e o desenvolvimento da moda nas eras industriais. Simmel entendia que quanto mais rica a participação do indivíduo na vida social – quanto maior o número de círculos a que pertença – mais forte é a sua independência e mais nítida a sua personalidade.
Desta forma, seriam as grandes cidades o espaço privilegiado para o desenvolvimento da moda. Primeiro porque, ao acentuarem a individualidade, dá novo status à apresentação e aos cuidados pessoais com a aparência, sendo a moda umas das formas de exteriorizar a personalidade de cada um. Segundo, porque nelas se dá mais facilmente o progresso econômico das camadas inferiores, o que facilitava o seu acesso a vários bens de consumo. Tudo isso acabava por alterar o ritmo das mudanças da moda: afinal, se as camadas inferiores conseguiam imitar as mais altas, estas deveriam rapidamente adotar novas modas como forma de se distinguir socialmente.
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