Por Kledir Salgado
Designer de moda com Mestrado em Têxtil e Moda pela USP
Ao pensarmos em essência para um objeto podemos usar o postulado de Benjamim (1992), que denomina tal qualidade de aura, ou seja, o conjunto dos traços de autenticidade, autoridade e unicidade das obras de arte, aquilo que faz do objeto algo único e irreproduzível. A perda da aura ou essência é consequência das alterações impostas pelo surgimento da cultura de massa e pela reprodução técnica, que em certo sentido alteraram os pressupostos sociais do que era considerado obra de arte.
O conjunto dos traços de autenticidade, autoridade e unicidade das obras de arte pode ser aplicado à moda quando recoberta de qualidade aurática, isto é, unicidade irreproduzível com refinamento técnico.
O vestuário não tem apenas a função de proteger do frio, ele vira o adorno e, ao mesmo tempo, são criados os acessórios. Quando se fala em processo criativo para moda, deve-se lembrar que a primeira regra é respeitar as aspirações do consumidor.
O criador de moda é como o artista: um visionário. Ele precisa ser atípico, simultâneo e suficientemente original e forte, para impor suas ideias; e humilde, para prestar atenção ao que os outros dizem. (CASTARÈDE, 2005, p. 67).
Alexis Mabile, Primavera Verão (2014)
Fonte: Style (2014).
Para conseguir atingir os desejos que seus clientes têm, o criador de moda deverá utilizar tanto técnicas de pesquisa de opinião quanto estudos de motivação para fazer uma leitura de toda simbologia, a fim de traduzir em produtos a essência do zeitgeist (espírito da época, clima cultural etc.) vigente.
O quadro, a seguir, sintetiza as variáveis pelas quais um criador de moda que busca desenvolver produtos com aura ou essência deve guiar-se:
Quadro 1 – Variáveis criativas de moda que busca ter essência
Variável | Método |
Incursões ao passado | Um exemplo desta variável foi a busca ao passado nas primeiras coleções de alta-costura. Na França revolucionária, a moda do período do Diretório (1797-1799) reabilita a túnica clássica, longa, inteiriça e meio justa inspirada na túnica greco-romana, e o vestido de cintura alta, bem como o recorte abaixo do busto. Esta mesma influência será retomada por Paul Poiret, no início do século XX. |
Incursões ao universo da arte | Outro fator que é determinante no processo criativo da moda é a relação desde o princípio da alta costura com as artes plásticas exercidas pelos pintores e artistas sobre a moda. Segundo Castarède (2006), a arte abstrata determinou em grau considerável o design de moda de luxo. Uma experiência muito interessante é a de Sonia Delanay (1885-1979), que deixa profundas marcas no segmento dos tecidos estampados. Antes da Primeira Guerra Mundial, Poiret, ao visitar Viena, conhece as obras de Klint e foi profundamente influenciado por elas. Poiret foi o primeiro artista, em suas criações de moda, a recorrer ao pintor Raoul Dufy para desenhar seus tecidos. |
Refinamento técnico | A moda toma dimensão simbólica do consumo e se reveste de uma significação social, jogando com diversos fatores de ordem cultural que condicionam as representações coletivas: fatores econômicos, sociológicos, políticos, religiosos, filosóficos. Estes fatores são somados ao refinamento tecnológico, que retira o espaço para o mal feito, o inacabado, o acaso, o desleixo e a improvisação. No luxo não existe mais ou menos, existe o aperfeiçoamento das técnicas em cada etapa do processo produtivo. |
Costura e confecção | Costura e confecção se distinguem claramente. A primeira veste as mulheres sob medida, ao passo que a segunda se dirige à Sra. “Todo Mundo”. Embora na origem os dois ofícios sejam aparentemente um só, a confecção, mais dinâmica, assume o risco da estocagem ao produzir de antemão modelos segundo medidas ditadas pela experiência e passíveis de ser oferecidos a preços mais acessíveis. Rapidamente, cada profissão se desdobra, intensificando suas respectivas vantagens. Uma procura enfatizar o luxo e o savoir-faire que se exige dela, exaltando a criatividade, ao passo que a outra se padroniza a fim de torna-se mais competitiva. Durante esse processo, ambas se moldam aos limites e exigências de uma sociedade dividida de modo irremediável em duas classes sociais bem distintas (GRUMBACH, 2009, p. 33). |
Protótipo |
Realizam os modelos em tecidos de qualidade inferior, entretanto, com propriedades físicas semelhantes. São experimentados processos estéticos e produtivos para a construção da peça original. |
Reprodutibilidade |
Realizam modelos protótipos e confiam a fabricação dos modelos em série às empresas de confecção, com as quais firmam um contrato de concessão. |
Criação autoral |
Realizam eles próprios seus modelos nos ateliês próprios ou nas fábricas que lhes pertencem. |
Fonte: Autoria Própria.
Referências:
BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
CASTARÈDE, J. O luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São Paulo: Barcarolla, 2005.
GRUMBACH, Didier. Histórias da moda. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.
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