Até surgir Charles-Frédéric Worth, em 1858, a elite da sociedade aristocrática europeia mandava fazer as roupas em costureiras particulares ou alfaiates de senhoras. Havia nas principais capitais europeias um artesanato de mulheres habilidosas e afamadas, mais executantes que criadoras, que respeitavam as ordens imperiosas – ditadas por um código social preciso – de suas clientes.
O surgimento do primeiro costureiro, em meados do século XIX, coincide com o nascimento da indústria em grande escala e com a ascensão do poder de uma nova classe dirigente: a alta burguesia, desejosa de consumir para se fazer notar e, portanto, disposta a pagar qualquer preço e a renovar seus trajes com frequência. A isso se deve a originalidade de Worth, que se afirmava como criador muito empenhado em impor seu estilo, e que propunha às senhoras da alta sociedade, suas clientes, modelos confeccionados sob medida.
A princípio, Worth mostrava às clientes desenhos feitos em aquarela, e mais tarde – numa atitude audaciosa para a época – apresentava os modelos ao vivo, no corpo de manequins. Forçava então suas clientes milionárias a irem até seus salões para ver seus modelos (só abria exceção para a imperatriz e as damas da corte, a quem ia pessoalmente visitar). Jamais, até então, um membro da alta sociedade fora a algum fornecedor.
Surgia assim um relacionamento que já não era de executante e senhor, mas de criador e cliente, e isto permitia às linhas da moda se tornarem bem mais rigorosas e evoluírem com rapidez, ao ritmo das mudanças de estação. No século XIX, portanto, o poder se deslocava da aristocracia dominante – senhora absoluta das executantes habilidosas e renomadas – para a burguesia rica da era industrial, que aceitava as criações dos grandes mestres da costura.
Worth é considerado o pai da alta-costura/ Reprodução
Worth foi o primeiro a promover o sistema da alta-costura; mas é impossível negar que foi Paul Poiret, seu sucessor, quem alcançou os níveis mais ousados de criatividade, e liberou, enfim, o corpo feminino da armadura imposta no século XIX. Graças a sua ousadia, numa única estação caem por terra 60 anos de talhes deformados por crinolinas, armações e espartilhos. Foi preciso um extraordinário senso artístico, aliado a uma sensibilidade aberta às mutações da sociedade, a fim de impor uma imagem de mulher sedutora e natural, e não mais abstrata.
Com a 1ª Guerra Mundial (1914-18), haviam desaparecido os costureiros e a costura se tornara um campo de atuação feminino. No período seguinte, o entre guerras, surgem dois destaques que demonstram habilidade excepcional: Gabrielle “Coco” Chanel, mulher esportiva e ativa, que sempre quis sentir-se à vontade em suas roupas e não encontrava dificuldades para impor seu estilo às mulheres que frequentavam coquetéis e recepções, mas também começavam a ter uma vida profissional; e Madeleine Vionnet, que vestia essas mesmas mulheres para a noite com trajes-esculturas que modelavam as formas e abusava dos drapeados, símbolo de elegância distinta e sóbria.
O período que antecede à 2ª Guerra Mundial (1939-1945) vê surgir grandes costureiros. São os senhores absolutos das regras da moda, “seguidas” religiosamente pela alta sociedade opulenta que a comprava, e que só poderia ser “copiada” pelas demais mulheres após determinado prazo.
No próximo post, abordarei a trajetória da alta-costura no pós-guerra.
Por Maria Alice Rocha
Doutora (PhD) em Design de Moda