A colunista do blog Audaces Falando de Criação e proprietária da Gerta Herta Atelier de Saias, Ana Carolina Steil falou em entrevista sobre a relação entre comportamento e moda, estilo x moda e por que as pessoas têm necessidade de seguir as tendências da moda. Ana Carolina é pós-graduanda em Mídia Moda e Inovação do Senac/RS.
Por que as pessoas se vestem?
Ana Caronali Steil – Durante muito tempo se pensou que a indumentária servia basicamente como um elemento para a distinção entre as classes e, na verdade, esse foi o motor da ideia de moda como a entendemos hoje. No entanto, o ato de vestir, mais do que proteger o corpo das intempéries, é um veículo de representação. E isto está muito além do que seja “mostrar quem eu sou” através da roupa, o que é legítimo e verdadeiro, visto que o vestir-se também pode ser entendido como um ato político.
Neste sentido, entender a expressão de identidade através da indumentária é percebê-la como um meio pelo qual posições de gênero e classe são manifestas. Fazemos avaliações e tomamos decisões baseados no status e no papel social que conferimos às pessoas, a partir da imagem que temos delas. O ato de vestir-se está intimamente ligado, portanto, a lutas simbólicas em nome da distinção/individuação. E essas lutas estão sempre vinculadas à busca de poder, seja em que instância for.
Por que as pessoas sentem a necessidade de seguir a moda?
Ana Caronali Steil – Bom, se pensarmos que a roupa serve como veículo de identidade, seguir a moda é um modo de passar uma mensagem de atualidade e informação. Estar na moda passa a ideia de se estar conectado com o seu tempo, com o chamado zeitgeist (o chamado espírito do tempo). A roupa que vestimos é apenas parte da imagem que construímos, mas ela também está associada à nossa postura, nosso modo de falar. Estamos sempre fazendo leituras visuais e ninguém quer passar a imagem de estar fora do seu tempo, muito antes pelo contrário. A noção de moda não se aplica exclusivamente à indumentária, mas também em outras áreas.
A moda influência o comportamento das pessoas?
Ana Caronali Steil – Penso que o que acontece é o contrário: o comportamento das pessoas influencia a moda. É o comportamento dos sujeitos que se altera: a política muda, revoluções econômicas acontecem constantemente, conquistas sociais, ou mesmo perda destes direitos em alguns lugares. Tudo isto, ou seja, a construção social e política dos sujeitos é que serve de motor para o que a moda buscará representar depois. Acho interessante lembrar um episódio próximo da última virada de século. Naquela ocasião, havia uma grande tensão com relação ao tal bug do milênio e as ansiedades e incertezas se agravavam.
Ora, cada virada de milênio traz este tipo de sentimento. As pessoas não sabem como será este futuro e o chão não parece mais tão firme nesses momentos. Como a moda reagiu? Donatella Versace criou um esvoaçante vestido de seda verde, delicado, fluido e extremamente sexy, com estampa de bambu. O vestido não pretendia alterar as formas do corpo e satisfazia a necessidade daquele momento de se fazer um balanço e voltar ao básico. A moda sempre vem se apresentar como um produto da sociedade na qual ela está inserida. E as pessoas, então, escolhem aderir àquela referência ou não.
Estilo e moda são a mesma coisa?
Ana Caronali Steil – Definitivamente não são a mesma coisa. O fenômeno da moda está relacionado a algo coletivo, que surge quando as pessoas saem do campo e vão para as cidades, em fins da Idade Média e início do Renascimento. Está relacionada a uma movimentação de papéis sociais, a partir do olhar de um indivíduo sobre o outro. Estilo, por outro lado, é algo individual, vinculado às experiências de cada um, sua personalidade, cultura, o modo como se relaciona com o amor, com a arte e até mesmo com a religião. Estilo é como você se relaciona com o mundo e com os outros, é como se comunica; ele não surge da informação de moda, mesmo que ela seja importante para a sua construção, mas do autoconhecimento. Para ter estilo, é fundamental saber quem se é, porque as suas escolhas são a manifestação da sua identidade.
Pode-se dizer que as pessoas usam a roupa como forma de se diferenciar? Por quê?
Ana Caronali Steil – Como já mencionei, a vestimenta segue sendo um canal de diferenciação. Numa sociedade massificada onde o consumo é a finalidade última das pessoas, onde as compras são vinculadas à uma ideia de merecimento e compensação pela cansativa jornada de trabalho, é natural que haja também uma massificação das imagens individuais. Curioso é que a moda funciona no sentido de planificar gostos, por isso, as tendências vigoram, mas, por outro lado, sirva como possibilidade última de individuação do sujeito.
Queremos o que os outros consomem, mas não queremos parecer com eles; queremos ser capazes de parecer conosco mesmos e sermos dignos de inveja. As tatuagens, os implantes, cabelos, roupas, são investimentos que se prestam a esta necessidade de manutenção da individualidade. Deste modo, o prêt-a-porter, na sua produção ostensiva e alienada, jamais será capaz de equalizar indivíduos que vivem em busca de uma esfera de originalidade, seja lá de que modo isto se manifeste.