A pesquisadora Marta Feghali, também autora dos livros “O ciclo da moda” e “As engrenagens da moda”, falou em entrevista sobre estas questões. Ela ainda tratou dos books de tendências e como eles podem auxiliar o trabalho dos profissionais que atuam na área da moda. Marta possui formação técnica em Estilismo e Confecção Industrial pelo SENAI-Cetiqt e mestrado em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (2002), atualmente cursa o doutorado no curso de Pós-Graduação em Engenharia de Produção PEP/COPPE/UFRJ.
Como começa o processo de criação de uma coleção?
Marta Feghali – Tem duas formas de iniciar uma coleção. Alguns designers não seguem tendência ou tema, acham que essa fase já passou. No entanto, precisam inspirar-se em algo. Então o designer tem um lado artístico e um feeling, ou seja, tem uma ideia e a partir dela pode criar a coleção. Esse profissional pesquisa o contexto, o meio ou até a cidade em que ele vive e muitas vezes surgem boas ideias sem precisar seguir um book de tendências. Por outro lado, tem os estilistas que já estão formados e especializados e já aprenderam as técnicas e utilizam os cadernos de tendência, nos quais são analisadas e compiladas todas as novidades de moda para a próxima estação, um ano à frente.
Quanto a inspiração, cada designer escolherá um tema que seja adequado com foco no seu público-alvo, pois precisa saber para quem está criando as peças, então tem histórias e temas que não são propícios para um tipo de usuário. Por isso, os books trazem diversas possibilidades, para que o profissional possa direcionar a sua coleção para o custo e público que pretende alcançar.
Quais as principais características de um designer de moda?
Marta Feghali – O bom designer de moda, em primeiro lugar, antes de tudo precisa ter cultura. Esse profissional tem que ter uma cabeça voltada para muitas disciplinas, precisa conhecer bem a matéria-prima para tirar o melhor caimento, modelagem e movimento do tecido. Precisa entender de cor para fazer uma combinação harmônica ou, se o objetivo é chocar, utilizar as cores contrastantes certas, além disso, as cores também podem dar a impressão do usuário estar mais magro, gordo, alto, baixo. O designer deve ser uma pessoa esclarecida, curiosa, que leia jornal e revistas, que saiba o que esta acontecendo o tempo todo e precisa acompanhar a moda.
Essa pessoa também necessita ter ótimas noções de modelagem para construir a roupa com o(a) modelista. Precisa conhecer costura para mostrar como quer que a roupa seja feita. Também deve ter um gosto apurado diante do público-alvo, então quanto mais viajado, maior o acervo cultural adquirido e a possibilidade de responder por “n” coleções, inclusive para um público variado. O designer de moda necessita ser uma pessoa organizada, decidida – não pode ficar “titubeando”, pois terá que tomar muitas decisões até o final da coleção. Deve saber misturar técnica e arte equilibradamente para conseguir um conjunto harmonioso.
Como os books de tendência são montados?
Marta Feghali – É uma equipe multidisciplinar que se junta e visualizam o que está latente e o que virá a ser moda. Essa equipe cria histórias para que pessoas que trabalham com tendência possam se inspirar e desenvolver seus trabalhos, porém, os books não ficam restritos a moda apenas (podem ser usados na arquitetura, decoração, design etc.). Como essas pessoas se inspiram? Através dos cinco sentidos. Como assim, serão incluídos cheiro, textura? Tem sim, tem caderno que exala cheiro e traz dentro outros estímulos aos sentidos humanos.
Os books vêm, geralmente, com no mínimo três tendências (de moda) para a próxima coleção, sendo que a maioria é desenvolvida nos países do hemisfério norte que ditam quais serão os comportamentos, as atitudes e as tendências de moda para a próxima estação. Esses livros podem ser adquiridos via internet e trazem a descrição das cores, tipos de estampa, silhueta, detalhes de estilos ou acabamentos, fornecem a peça-chave que vai arrebentar nas vendas e coleções comerciais que tenham sutilmente essas tendências diluídas no design de moda.
A partir daí, o profissional pode escolher entre todas essas histórias/temas de inspiração ou criar a sua própria, imprimindo a identidade nacional, pois nem tudo o que é sucesso nos países do norte tem boa receptividade aqui devido aos hábitos, cultura e clima diferentes. Por isso, nem tudo o que dá certo lá fora pode dar certo aqui. Então, tem que ter um critério, saber avaliar a atmosfera do Brasil de uma região específica para saber o que se pode aproveitar para marcar o espírito da coleção. Então, a tarefa maior é saber selecionar e perseguir as tendências certas. A toda hora tem que ficar de olho e aproveitar o máximo delas espremendo o supra sumo.
Temos books de tendências produzidos no Brasil?
Marta Feghali – Temos alguns books nacionais. Algumas fábricas de tecidos, como por exemplo, a Lycra da DuPont confeccionam um tipo de book, porém, não é um material utilizado para determinar estilos. Esse é um trabalho muito mais para mostrar as novas cartelas de cores e as estampas. As poucas opções presentes no país se justificam pelo fato de que essas informações de moda perdem o valor rapidamente, porque a moda tende ao fast fashion, a comercialização e logística rápida. A obtenção das informações de moda é tão imediata e veloz que a qualquer hora você pode ver o desfile no Japão e até compilar todo esse material informativo. Mas fazer um caderno de tendências com as informações que a maioria das pessoas tem acesso, não é fácil, pois na hora de vender o book, o tempo já desvalorizou aquela informação de moda.
Só terá uma razão e valor de venda se essa “infomoda” for traduzida, explicada, interpretada para os designers, estilistas e os clientes potenciais. Outro desafio de se produzir este material é que não se sabe quantas pessoas realmente vão comprá-lo.
Importante destacar que a maioria das pessoas hoje em dia, conseguem as informações apenas com o clique de um mouse, então elas podem comprar revistas estrangeiras, assistir uma palestra, programas de televisão e não precisam nem viajar por isso. Está tudo ao alcance de um clique.